sábado, 7 de dezembro de 2013

Minha vida fora de série - Cap.: 1

Sally: A parte mais difícil de seguir em frente é não olhar pra trás. (Felicity)

"Lembre-se de fazer um pedido antes de apagar as velas, Seunome !"
  Minha mãe estava louca se achava que tinha alguma possibilidade de eu ter me esquecido da melhor parte. Fechei os olhos para me concentrar melhor e falei : 
 "Eu quero voltar para o Rio de Janeiro !".
   Antes que eu soprasse, a voz da minha prima, que bem ao meu lado, entrou no meio dos meus pensamentos.
"Ai sua burra ! Não pode falar o desejo em voz alta, senão não se realiza !"
     Eu já ia responder que o pedido, o bolo e o aniversário eram meus e que eu fazia deles o que bem entendesse, mas minha tia falou antes.
"Marina! Será que nem na hora dos parabéns você para de implicar?", ela disse dando um leve beliscão na minha prima, coisa que eu mesma queria ter feito, só que mais forte. Eu adorava a Marina, mas tinha hora que ela perdia a oportunidade de ficar calada.
 "A Marina está certa.", minha mãe entrou no meio. "O pedido da s/n não vai se realizar. Mas não porque ela falou em voz alta." E se virando pra mim, com uma expressão meio triste e cansada, continuou a falar: "Meu bem, já discutimos sobre isso uma 50 vezes. Nossa vida agora é aqui..."
    Ok, perdi completamente o interesse pelo enorme bolo de brigadeiro que estava na minha frente. Sem me preocupar em apagar as velas, saí pisando duro em direção ao meu quarto. Antes de bater a porta com força, gritei que se eu não podia ficar no Rio de Janeiro, então eu não queria nada, pois coisa nenhuma em Belo Horizonte tinha o poder de me fazer feliz! Escutei ainda minha mãe dizer que o fato de ser meu aniversário não me impedia de ficar de castigo, mas nem liguei. Eu já me sentia de castigo mesmo, totalmente presa naquela cidade sem graça. Deitei-me na cama e comecei a me lembrar como meu aniversário do ano passado foi diferente. Eu tinha convidado todas as minhas amigas para nadar na minha casa, meu pai havia feito um churrasco e o dia não podia ter sido mais feliz. Como eu gostaria de voltar no tempo. Ouvi uma batida na porta, eu mandei a pessoa ir embora. Porém, segundos depois, escutei um ganido, levantei-me depressa e abri. O Biscoito entrou balançando o rabinho, todo contente, mas infelizmente, atrás dele, veio também minha prima enxerida.. Ela entrou, fechou a porta atrás de si e se sentou na minha cama, sem nem pedir. Peguei uma revista e comecei a folhear, pra que ela percebesse que eu não queria conversar.
"Seuapelido...", ela começou baixinho. Sua mãe ficou triste...ela está quase chorando lá embaixo."
     Eu fingi que nem ouvi e continuei a passar as páginas.
"Agora você já tem 13 anos, não pode continuar agindo como um caramujo que se esconde na concha a cada contrariedade !"
    Isso fez com que eu fechasse a revista com força. Ela tinha conseguido me deixar ainda mais brava.
"E você é muito adulta para me dar conselhos não é ?", eu disse me levantando. "Quantos anos você tem mesmo ? Treze anos se me lembro bem ?"
     Ela pareceu meio desconcertada com aquilo, mas não se intimidou.
"S/n, na verdade idade não importa, mas sim o fato de você ter que apoiar sua mãe ! Você acha que não está sendo difícil pra ela também ? Ela acabou de se separar do seu pai ! Deve estar sofrendo muito por causa disso ! Não precisa também de uma filha mimada pra tornar as coisas ainda mais difíceis pra ela nesse momento !"
       Agora ela tinha tocado bem no meu ponto fraco. Eu sabia que minha mãe estava sofrendo. Ela fazia de tudo para esconder, mas eu a escutava chorar trancada no quarto algumas vezes e reparava nos olhos inchados com os quais ela vinha acordando todas as manhãs. Eu imaginava que ela devia estar chorando bastante de madrugada. Tudo o que eu mais queria era poder aliviar esse sofrimento dela, mas eu estava infeliz também, que nem conseguia fingir. E eu sabia que isso a deixava ainda mais triste.
"Mas por que ela tinha que resolver se mudar ?, eu me sentei. "Porque ela tinha que mudar a nossa vida inteira ? E por que ela não me deixou ficar lá com o meu pai e meu irmão ?"
     Eu não consegui dizer mais nada, pois senti lágrimas inundarem meus olhos. Ok, aquilo era constrangedor. Eu odiava chorar. Especialmente na frente de outras pessoas. Eu tinha pânico de que me achassem fraca e sentissem pena de mim.E parecia ser exatamente o que minha prima estava sentindo naquele momento.
         Ela me abraçou forte e ficou passando a mão pelo meu cabelo. No mesmo instante, o Biscoito pulou no meu colo e começou a me lamber, parecendo muito preocupado com o meu choro. Afastei-me da Marina, mas deixei que meu cachorro me consolasse. Só ele sabia o que eu estava sentindo. Assim como eu, ele também havia sido obrigado a mudar de cidade e deixar tudo pra trás. No processo de separação dos meus pais, eles dividiram tudo... inclusive os filhos e os animais de estimação. Eu, o Biscoito, a Snow e o Biju viemos com minha mãe pra BH. O meu irmão, a Duna, o Pavarotti e o Chico permaneceram com o meu pai, no Rio de Janeiro. Esse acordo maluco de dividir tudo, podia muito bem funcionar pra eles, que quiseram parecer justos um com o outro, mas para mim foi muito pior.
        Eu abracei o Biscoito e comecei a chorar mais ainda. No meio das lágrimas eu disse : "Agora, além de ficar sem ver meu pai todo dia, eu também tenho que ficar sem meu irmão, minha cachorra, meu furão e o meu papagaio ! Porque eles fizeram isso comigo ?"
"Você sabe o motivo", a Marina respondeu "Sua mãe precisava de apoio familiar nesse momento...vocês só moravam no Rio por causa do trabalho do seu pai ! Sei muito bem que, se dependesse da sua mãe ela nunca teria se mudado pra lá, afinal toda nossa família é daqui. E quando aos seus bichinhos, no Rio você moravam em um condomínio, em uma casa grande. Agora, nesse apartamento, seria até maldade deixar sua golden retriever em um espaço menor do que ela está acostumada. E pelo que me lembro bem, seu papagaio grita demais ia acabar incomodando os vizinhos. E sobre o furão, bom acho que o Arthur exigiu ficar com ele, né ? Afinal, ele também é dono... E aliás, pelo que eu sei, o seu irmão só ficou no Rio de Janeiro por causa da faculdade. Minha mãe disse que ele não está nada feliz em ter que ficar longe de vocês !"
       Eu fiz que sim com a cabeça e senti meus olhos se encherem de novo ainda mais ao se lembrar dos meus bichinhos. Especialmente a Duna devia estar sentindo muito a minha falta. Eu passeava com ela e o Biscoito todos os dias. Se o meu irmão não desgrudasse a bunda da frente do computador pra andar com ela, ia se ver comigo !
"Além disso", ela disse coçando a cabecinha do Biscoito, "você trouxe essa fofura aqui pra te fazer companhia... e também a gatinha e o rato. Até hoje não entendi como você consegue fazer com que esses bichos não briguem. Eu pensei que gato, cachorro e rato fossem meio inimigos.."
         Eu fiquei muda e de braços cruzados, enquanto ela brincava com meu cocker spaniel. Meus animais eram muito civilizados e nunca tinham tido qualquer problema de incompatibilidade uns com os outros. Mas eu não estava com a menor vontade de explicar isso pra ela. Nem de discutir pela milésima vez que o Biju não era um rato, e sim um hamster ! Nesse momento, minha mãe abriu a porta.
"Marina, sua mãe já está indo embora e pediu pra te chamar." Olhando séria pra mim, ela acrescentou "Seunome, vá se despedir dos seus familiares. É muita falta de educação largar os convidados no meio da festa e se trancar no quarto ! Eu falei sério a respeito do castigo !"
         Ela saiu e deixou a porta entreaberta. O Biscoito a seguiu, me deixando sozinha com minha prima. A Marina deu um suspiro, analisando meu rosto, e em seguida olhou pra um canto da minha cama, onde estavam alguns presentes que eu tinha ganhado.
"Você nem abriu o que eu te trouxe ainda", ela pegou um embrulho no meio dos outros. "Eu acho que você vai gostar..."
      Eu sabia que nada que ela me desse teria o poder de me alegrar, mas abri, só pra ver se ela ia embora logo e me deixava em paz. Desembrulhei e encontrei uma com uma mulher e uma menina. Abri e vi que dentro tinha quatro DVDs. Em cima de tudo estava escrito : "Gilmore Girls - Tal mãe, tal filha".
"O que é isso ?", eu perguntei tirando um dos DVDs da caixa.
       Ela me olhou meio admirada : "Você nunca ouviu falar desse seriado ?".
       Eu balancei a cabeça os ombros e respondi que não, enquanto lia o que estava escrito atrás. Antes que eu terminasse, ela tirou da minha mão e colocou em um aparelho de DVD.
"Você precisa ver agora !", ela ligou a Tv. " É uma série perfeita, que fala de uma mãe e de uma filha que são muito amigas... Ah você vai ter que assistir ! Eu achei que seria um presente ótimo, afinal agora você vai , morar sozinha com sua mãe..."
      Eu nem consegui protestar. Ela já tinha colocado o DVD pra rodar e aos poucos eu fui rodando naquele mundo que ainda não conhecia. Depois de uns 15 minutos, estávamos completamente compenetradas com o episódio que levamos o maior susto quando minha tia apareceu.
"Ah, que bonecas ! Então vocês largam todos esperando e ficam aí, vendo televisão !"
      A Marina pausou o DVD depressa. " Desculpa, mãe ! A s/n não conhecia esse seriado, e eu estava só mostrando pra ela ! A gente já estava indo.."
    Minha tia deu uma olhada séria pra nós duas e se virou balançando a cabeça.
"Você gostou !", a Marina disse, assim que a mãe dela saiu de vista. "Eu notei sua expressão olhando pra tela ! Você gostou muito ! Ai nem acredito ! Minhas férias já estavam boas por você ter se mudado pra cá, agora então... Não vou sossegar enquanto a gente não terminar de ver essa temporada inteira ! Vamos começar a fazer uma maratona ? Só que temos que começar no domingo", ela disse se levantando, "porque amanhã tem uma festa em que você precisa ir comigo ! Eu falei de você para todas as minhas amigas, e todo mundo quer te conhecer ! E, pra gente chegar amanhã arrasando, temos que ir ao clube de manhã pra pegar aquele bronze ! Já consegui um convite pra você e não aceito um não como resposta !"
     Ela estava tão empolgada que eu nem consegui dizer que não tinha a menor intenção de ir a lugar nenhum. Eu queria ficar ali deitada na minha cama, me contorcendo de autopiedade. Mas a Marina me puxou antes que eu abri a boca.
" Vamos pra sala, anda ! Eu queria dormir na sua casa mas minha mãe disse que vocês ainda estão meio abaladas com a mudança, que é pra eu dar um tempo para vocês, mas eu falei que já tem dois dias que vocês se mudaram pra cá e que eu poderia ajudar vocês a arrumar essa bagunça.."
        Ela continuou a conversar até ir embora. Não sei como minha prima conseguia falar tanto! E minha mãe, quando ela estava saindo veio dizer que nós somos parecidas, pois eu sou muito tagarela. Humpf. Ela devia saber que eu só falo coisas importantes. E certamente nada em Belo Horizonte tinha importância suficiente para merecer o meu vocabulário. Eu não sabia como estava enganada. E eu começaria a perceber isso logo no dia seguinte...

Nenhum comentário:

Postar um comentário